quinta-feira, 21 de abril de 2011

NUNCA MAIS

Ó castos sonhos meus! Ó mágicas visões!
Quimeras cor de sol de fúlgidos lampejos!
Dolentes devaneios! Cetíneas ilusões!
Bocas que foram minhas florescendo beijos!

Vinde beijar-me a fronte ao menos um instante,
Que eu sinta esse calor, esse perfume terno;
Vivo a chorar a porta aonde outrora o Dante
Deixou toda a esp’rança ao penetrar o inferno!

Vinde sorrir-me ainda!Hei-de morrer contente
Cantando uma canção alegre, doidamente,
A luz desse sorriso, ó fugitivos ais!

Vinde beijar-me a boca ungir-me de saudade
Ó sonhos cor de sol da minha mocidade!
Cala-te lá destino!…
“Ó Nunca, nunca mais!…”

Florbela Espanca - Trocando olhares - 08/07/1916

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"Cada estação da vida é uma edição que corrige a anterior e que será corrigida também até, a edição definitiva".

O fenomenal Machado de Assis, sintetizou em tão lacônicas palavras a estupidez\ humana em não compreender a dimensão da vida sem as vezes aprender a lição mais sábia que vem do espírito da humildade.

O Poeta da Roça


– Patativa do Assaré

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,

Trabaio na roça, de inverno e de estio

A minha chupana é tapada de barro

Só fumo cigarro de paia de mio.

Sou poeta das brenha, não faço pape

De argum menestré, ou errante canto

Que veve vagando, com sua viola,

Cantando, pachola, à procura de amo.

Na tenho sabença, pois nunca estudei,

Apenas eu sei o nome assina.

Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,

E o fio do pobre não pode estuda.

Meu verso rastêro, singelo e sem graça,

Não entra na praça, no rico salão,

Meu só entra no campo e na roça,

Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,

Da lida apertada, da roça e dos eito

E às veis, rescordando a feliz mocidade,

Canto uma sôdade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com suas caçada,

Nas noite assombrada que tudo apavora,

Por dentro da mata, com tanta corage

Topando a visage chamada caipora.

Eu canto o vaquêro vestido de coro,

Brigando com o tôro no mato fechado,

Que pega na ponta do brabo novio,

Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,

Coberto de trapo e mochila na mão,

Que chora pedindo o socorro dos home,

E tomba de fome, sem terra e sem pão,

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,

Eu vivo contente e feliz com a sorte,

Morando no campo, sem vê a cidade

Cantando a verdade das coisas do Norte.


COM O VERSO CONVERSO

Com rimas ou sem rimas,
transcrevevo meu verso,
A minha história de vida,
Com verso eu converso.

Falo do mundo, do amor,
Da natureza, da lua,
Falo da linda morena,
Que se exibia nua.

Falo de todos, de mim,
Sem querer com a verdade,
Ferir quem viveu essa história,
Cada um com sua liberdade.

Sua vida em verso e prosa,
Posso aqui descrever,
Sou apenas um poeta,
Versos a escrever.

Com rima ou sem rima,
Passo a vida a poetar,
Como poeta de talento,
Na mulher a me inspirar.

Do poeta: Paulo de Andrade

NOÇOQUEM

Nazareno Santos, do livro-

Poesias Caboclas

Mau

Não és

Noçoquem

Poratin

Maués

O rio a teus pés

Muratu

Rio Tocantins

Negro

Tapajós

(estamos sós?)

Onde Iras

Andirás???

O que dirás ao teu povo, cadê teu amuleto?

Isso não é jeito de ser

De viver...

Tira os Caiapós

Tira os Mundurukus

Guardas as histórias dos teus ancestrais

Jogue a roupa fora

Voltem a ficar nus

De corpo e alma

Sem os venenos da civilização

Noçoquem

Porantin

Atira tua flecha em mim

Pajé cura o curimim

Guerreio não vive por um fio

Mas se um dia tu morreres

Joga tuas cinzas ao vento

E enterra teu coração

Nas curvas de um rio...

SANGUE CABOCLO

Corre na veia o sangue caboclo

Corre no veio à água barrenta

O rio é o mar insolente

A canoa é a vida

Ávida

Tão somente

desatino,

É o destino as vezes remando

Na contramão do rio

É a loba no cio

Gritando desesperadamente

É o silêncio falando

De nossas inquietações

A sina do pescador é pescar

Do agricultor plantar

E do caboclo remar

Pra vencer as margens

Que traduzem o rio

Que guarda

os seres encantados com seus mistérios e magiuas

fazendo das águas mantos sagrados

Que guardam sonhos e embrulham

Esperança nas poesias remotas

Que agonizam e renascem na certeza

De que serão eternas feito as ondas num vai e vem

Entre a antítese da dor e da fé

Do amor e do perdão

Do não aceitar e querer bem

Assim é a vida em sua essência


Feito as profundezas das águas que escondem seus mistérios

NAZARENO SANTOS-PROFESSOR, POETA E RESPONSÁVEL PELO BLOG RIO DAS LETRAS.

IGNORÃNCIA DOS USUÁRIOS DO PORTUGÛES NO BRASIL.PARA REFLETIR PROFUNDAMENTE

essas, quem se estrepa sou eu. O que me exaspera é a preguiça e a assumida ignorância dos usuários do português no Brasil. Chamam urubu de meu louro, e blueberry de mirtilo. As pessoas estão falando e escrevendo em um português cada vez mais estropiado. E a causa principal se encontra na tenaz e persistente contaminação do inglês. Pior, acham o máximo cometer erros simultaneamente nas duas línguas, inglês e português. Assim, tenho sido forçado a lutar pela língua, como se envolvido em uma guerra. Não fui convocado ao serviço militar do léxico, mas eis-me no campo de batalha. E aí, como diz o ditado, agora dou uma boiada para não sair mais da briga. Como se mal diz hoje, eu me voluntariei (leia-se em bom português: “ofereci-me”). Chamem-me do que quiserem. Ao ataque!

Hoje em dia, a turma que entende das coisas adora falar que os estudantes “sofrem bullying”. Ô, palavrinha mais antipática... O tal do “bullying” está na boca do Brasil inteiro, e com pronúncia errada (as pessoas gostam de dizer “bãling”, o que as torna ainda mais ridículas). A palavra “bully” tem uma origem chã: provém de “bull”, touro, do inglês do século XVII e significava originalmente “fanfarrão”, “mata-mouros”. Só mais modernamente passou a designar perseguição e agressão, em português. O correto seria dizer: “Os estudantes sofrem perseguição nas escolas”. Não ouso afirmar que a língua portuguesa está sendo agredida. Para convencer meu interlocutor, tenho de “refrasear” (em vez de “refazer”) a afirmação para: “O português está sofrendo bullying”. Aí todos entendem, batem palmas e pedem bis – ou, como se diz em inglês, “encore”. Isso porque agora o correto já virou incerto. Eu não posso falar que temos um prazo final no fechamento desta edição. Para parecer mais sofisticado, tenho de alertar que não há prazo final, e sim um “deadline”. Sinto-me mais bacana por dizer “deadline” e “approach”, entre outras baboseiras do atual jargão do jornalismo.

Tenho a impressão de que todo mundo, inclusive eu, esqueceu-se das palavras precisas para designar determinadas situações e objetos. O bombardeio dos termos em inglês provoca amnésia linguística e tornou legítimos barbarismos como “provocativo” em vez de “provocador” e “basicamente” em vez de “fundamentalmente”. Ainda mais risível é quando usam “eventualmente” no sentido de “finalmente” – “eventually” em inglês. Realizou?

Nesse campo da prática de abusos, os críticos de música e cinema são tradicionalmente os piores: eles enxameiam seus textos de termos em inglês e expressões esdrúxulas. Só que agora andam a abusar do direito que se autoatribuíram (daqui a pouco vão dizer “se self atributiram” ou qualquer coisa do tipo). Ninguém mais estraga prazeres ao contar o desfecho de um filme; agora o que vale é o popular “spoiler alert”. Quando você vai contar a trama de um filme, terá de dizer assim: “Cuidado que tem spoiler!” Quando um crítico me diz isso me dá vontade de pular, pois a palavra soa como uma espécie de escaravelho ou baratagigante.

No dia a dia, o pessoal vive se metendo em “brainstorming”, vocábulo inglês que pode ser facilmente traduzido para confabulação. Que tal confabular em vez de “fazer um brainstorm”? Acho uma troca vantajosa, até porque é menos barulhenta, “brainstorm” evoca tempestades com raios e trovões. Nada melhor que confabular, trocar ideias e histórias. Além de tudo, soa melhor.

O português surgiu por volta do século XII (embora haja documentos de duzendos anos antes) a partir da evolução do latim vulgar na Península Ibérica, com contaminações de termos celtas, visigóticos e árabes. No começo, era chamado de “galego-português” porque a fala e a escrita apareceram no norte de Portugal, na fronteira com a Galícia. As poesias palaciana, de amigo e de escárnio e maldizer foram criadas e publicadas antes mesmo da consolidação de idiomas como espanhol, italiano, alemão e... inglês. Língua venerável, o português. Um idioma imperial do século XVI. Por isso, bonita como uma caravela engalanada, clara e solar como as igrejas góticas de Lisboa.

Amo os meios-tons que suas vogais contêm, aparentadas francês. É um grande prazer remexer no léxico riquíssimo do idioma, brincar com a possibilidade que ele oferece de alongar as frases quase ao infinito, pois o português flui como uma plácida corrente de rio. Adoro certas palavras que não constam de línguas irmãs, como a (quase) intraduzível “saudade”, ou aquelas que existem em outras, que ganham um sabor delicado no vernáculo, como “brisa”, “maçã” e “paixão”. Os ecos artísticos são grandes. Eu sei que blueberry consta de um belo filme de Wong Kar-Wai. Trata-se deMy blueberry nights, traduzido em português pelo título pedestre Beijo roubado em vez de “Minhas noites de mirtilo”. Blueberry é uma palavra que a gente amassa com dois dedos. Mirtilo, não. O vocábulo está em Camões e Petrarca, que, por sua vez, beberam na fonte de Horácio e Virgílio. Mirtilo evoca pastores do Parnaso e da Serra da Estrela. É antigo e lírico, como o português.

Por isso, podem vir com seu temível bullying contra a língua portuguesa, que estarei a postos para toureá-lo, apagá-lo e substituí-lo pelo castiço verbo agredir. Que mais “geleias de blueberry” arremetam contra mim, que as receberei com meu poderoso corretor. Não sou besta. Sei que as línguas são dinâmicas e abertas a influências externas. São organismos vivos. Mas daí a se render totalmente à ignorância dos próprios recursos, de seu thesaurus, vai um abismo. Os tão festejados e pouco praticados “laços lusófonos” só têm ajudado a apagar a delicada língua de Camões das areias da cultura. Parece que quase ninguém está disposto a preservar o que quer que seja, quanto mais suas referências espirituais. Restam alguns poucos Quaresmas neste país. Mas se eu for o último homem em pé para proteger o idioma, pelo menos terei orgulho do que deixei de realizar, mas ao menos tentei.

(Luís Antônio Giron)