sábado, 28 de maio de 2011

Velho Cego, Choravas

Velho cego, choravas quando a tua vida
era boa, e tinhas em teus olhos o sol:
mas se tens já o silêncio, o que é que tu esperas,
o que é que esperas, cego, que esperas da dor?

No teu canto pareces um menino que nascera
sem pés para a terra e sem olhos para o mar
como os das bestas que por dentro da noite cega
- sem dia ou crepúsculo - se cansam de esperar.

Porque se conheces o caminho que leva
em dois ou três minutos até à vida nova,
velho cego, que esperas, que podes esperar?

Se pela mais torpe amargura do destino,
animal velho e cego, não sabes o caminho,
eu que tenho dois olhos to posso ensinar.

Pablo Neruda, in "Crepusculário"
Tradução de Rui Lage

poema de Pablo Neruda

EM UM CERTO REINADO

Um rato ruim

Havia roído

A roupa de um rei tupiniquim

O rei havia ditado

Que todo pobre fosse condenado

A miséria e escravidão

Mas o povo sem nada entender

Reverenciava o rei

Enclausurado

Nas muralhas da ambição

O rei vivia rodeado

De bobos da corte

Que riam a toa

Mesmo no açoite

O rei ditador

Não tinha coração

Mas quanto mais

Maltratava seu povo, o povo lhe reverenciava

E ela nada entendia, posando de artista

Interrogava-se e o Bobo da corte respondia

Meu rei meta o chicote

Que o povo desse reino vive de utopia

E o rei mal coroado, ditando suas normais e leis

Sem nada entender dizia

Que se no reino tanto mal havia, o problema era de vocês

Quem?

Nós, sem opinião nem voz

E assim durou muito tempo o reinado

Porque o povo calado

Nada dizia

E o tempo virava retrocesso

Dia e noite e dia

E assim reinou soberano

O rei da farsa e da fantasia.

Nazareno Santos-Poeta Itaitubense

O ALGOZ E O CARRASCO

Um rio raso

Um riso

Um asco

Uma razão aparente

Uma maré de vazão e enchente

O amor de repente surgindo do nada

Um olhar distante

Uma mão atada

O poema libertino

Vaga à toa como um menino perdido na estrada

Feito anjo

Errante na madrugada

O rio é o asco

É o riso é o frio

O algoz e o carrasco

Nazareno Santos- Responsável por esse blog

E-meio-tribunna@hotmail.com


SONETO DA ESPERANÇA PERDIDA

Perdi o bonde e a esperança

Volto pálido para casa

A rua é inútil e nenhum auto

Passaria sobre meu corpo

Vou subir a ladeira lenta

Em que os caminhos se fundem

Todos eles conduzem ao

Princípio do drama e da flora

Não sei se estou sofrendo

Ou se é alguém que se diverte

Por que não? Na noite escassa

Com um insolúvel flautim. Entretanto há muito tempo

Nós gritamos sim! Ao eterno

Carlos Drumond de Andrade

PAES LOUREIRO E SUA PROSA FICCIONAL NARRATIVA



Uma freiada brusca bastaria
bastaria o pânico de um grito
o forte ruflar bastaria das asas do destino
e o dedo do medo no gatilho
detonaria a bala.
Mais uma flor de juventude tombaria
numa poça de sangue e impunidade.

E o mundo continuaria a lamber
e a virar as páginas dos dias.
Os ônibus continuariam a levar
passageiros sentados a olhar o pânico
disfarçado na paisagem das ruas.
E o delinqüente continuaria no crack da sarjeta
a jogar o vídeo game da espera de outro ônibus
de outro ônibus e mais outro e de mais outro…

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Japão, após o tsunami/2011

Tomba da essência apenas a aparência.
Uma pétala cai do olhar da cerejeira.
Rui o não-ser das pálpebras do ser.

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Tragédia em Realengo

Na Escola Municipal Tasso da Silveira
bairro do Realengo
zona oeste do Rio de Janeiro
7 de amargo abril 2011
onze crianças foram assassinadas.
Cada bala matou
a infância nos meus versos.

Pelo buraco dos fonemas
esvaiu-se a vida
na hemorragia insana.

A morte dessas crianças
esvaziou o poema
esvaziou a poesia
esvaziou-me na cova das palavras.

sábado, 14 de maio de 2011

NÃO!

Não gosto do não
Prefiro o sim
o Não é brusco
reiventa a solidão
Dá a falsa sensação de segurança

Prefiro o sim
Porque assim a gente alcança
se preciso as vezes o paraíso
O sim não machuca
o não fere
dói na alma
no coração
Sim ou não não ou sim
na pior das hipóteses
prefiro você juntinho a mim..

SONETO DE FIDELIDADE



De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


tomara

Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...

Vinícius de Moraes

Vamos Interagir Moçada

Esse blog foi criado para incentivar a arte, a cultura,divulgar nossos valores que ainda estão no anonimato. Mande seu poema, sua crônica, enfim qualquer que seja seu texto, envie também um comentário sobre um livro que você leu e gostaria que outras pessoas pudessem conhecer...mande uma foto sua 3X4 que colocaremos na galeria permanente dos nossos colaboradores.

Você pode enviar sua contribuição literária pelo e-mail tribunna@hotmail.com, ou nazarenoatribuna@bol.com.br ou pelo fone 811940- Itaituba, Pará

SERES DE ENCANTAMENTO

Jurupari
Caipora
Curupira
jacanã
Amanhã
Reina Iara
bailando
Sobre os lírios
e delírios do amor
Beija-flor semeia o doce
De sua ternura
cortejando o rio
Tapajós
Mãe d àgua lava os cabelos, enfeiticando nos igapós

Enquanto a sereia retoca a maquilagem
Dança o boto
seduzindo a cabocla que sorri

No espelho contemplando sua própria miragem
Chega a noite
e os seres encantados se encantando
profundamente
Tão somente
Com os encantos da paisagem

Nazareno Santos

Para refletir

Com as lágrimas do tempo e a cal do meu dia eu fiz o cimento da minha poesia.

Vinícius de Moraes

O INVISÍVEL DO MEU SER

Não quero deixar insone a sinfonia de minhas razões
Tropeço sobre pedras invisíveis
Voo entre rios fazendo da imaginação o silencio onde encontro Deus
Entre os vãos de minhas inquietações

A poesia desliza sombria sobre minha alma
Não me acorrento a dogmas nem busco explicações em filosofia
Sou um alienígena de mim mesmo mesmo no planeta incógnita
Um ser desnudando antropofagia e devorando poesia

Monalisa com seu sorriso mordaz
Não me satisfaz
Não tenho medo de Medusa
Nem preciso decifrar a vida ou a morte
Se o destino me recusa
Sou apenas um poeta que sonha
Que ama e que busca a verdade
ignorando o azar ou a sorte

A porta do segredo está escancarada
Não temo mais nada
Pois já superei o inferno de Dantes
Fui Dom Quixote e seu cavalheiro andante
brigando contra inimigos inexistentes

Chorei , calei, gritei, me bastei com as incoerências humanas
Só sei que amei
Intensamente
Talvez assim de forma insana

Nazareno Santos


FRAGMENTOS DE TEXTOS DO GENIAL JOSÉ SARAMAGO

Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças
E ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe,
Um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.

Na ilha por vezes habitada

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


Dulcineia

Quem tu és não importa, nem conheces
O sonho em que nasceu a tua face:
Cristal vazio e mudo.
Do sangue de Quixote te alimentas,
Da alma que nele morre é que recebes
A força de seres tudo.

O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas.


Quem acredita levianamente tem um coração leviano.

O espelho e os sonhos são coisas semelhantes, é como a imagem do homem diante de si próprio.

A virtude, quem o ignorará ainda, sempre encontra escolhos no duríssimo caminho da perfeição, mas o pecado e o vício são tão favorecidos da fortuna que foi ela chegar e abrirem-se-lhe as portas do elevador

Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais do que antes julgávamos.


Poema à boca fechada


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

O talento ou acaso não escolhem, para manisfestar-se, nem dias nem lugares.

José Saramago

Há ocasiões que é mil vezes preferível fazer de menos que fazer de mais, entrega-se o assuntto ao governamento da sensibilidade, ela, melhor que a inteligência racional, saberá proceder segundo o que mais convenha à perfeição dos instantes seguintes.

José Saramago

Cada dia traz sua alegria e sua pena, e também sua lição proveito

Os lugares-comuns, as frases feitas, os bordões, os narizes-de-cera, as sentenças de almanaque, os rifões e provébios, tudo pode aparecer como novidade, a questão está só em saber manejar adequadamente as palavras que estejam antes e depois.


Não sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não o encontro.

"Dirão, em som, as coisas que, calados,no silêncio dos olhos confessamos?

Sorriso, diz-me aqui o dicionário, é o acto de sorrir. E sorrir é rir sem fazer ruído e executando contracção muscular da boca e dos olhos.

O sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas pobres definições, e eu pasmo ao imaginar o autor do dicionário no acto de escrever o seu verbete, assim a frio, como se nunca tivesse sorrido na vida. Por aqui se vê até que ponto o que as pessoas fazem pode diferir do que dizem. Caio em completo devaneio e ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exactamente, o sentido das palavras e transformasse em fio-de-prumo a rede em que, na prática de todos os dias, elas nos envolvem.

Não há dois sorrisos iguais. Temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de quem morre. E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso.

O Sorriso (este, com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso.



Mesmo que a rota da minha vida me conduza a uma estrela, nem por isso fui dispensado de percorrer os caminhos do mundo.




sábado, 7 de maio de 2011

Da Dádiva







Então um homem opulento disse: “Fala-nos da dádiva.”

E ele respondeu:

“Vós pouco dais quando dais de vossas posses.

É quando dais de vós próprios que realmente dais.

Pois, o que são vossas posses senão coisas que guardais por medo de precisardes delas amanhã?

E amanhã, que trará o amanhã ao cão ultraprudente que enterra ossos na areia movediça enquanto segue os peregrinos para a cidade santa?

E o que é o medo da necessidade senão a própria necessidade?

Não é vosso medo da sede, quando vosso poço está cheio, a sede insaciável?

Há os que dão pouco do muito que possuem, e fazem-no para serem elogiados, e seu desejo secreto desvaloriza suas dádivas.

E há os que têm pouco e dão-no integralmente.

Esses confiam na vida e na generosidade da vida, e seus cofres nunca se esvaziam.

E há os que dão com alegria, e essa alegria é já a sua recompensa.

E há os que dão com pena, e essa pena é o seu batismo.

E há os que dão sem sentir pena nem buscar alegria nem pensar na virtude:

Dão como, no vale, o mirto espalha sua fragrância no espaço.

Pelas mãos de tais pessoas, Deus fala; e através de seus olhos Ele sorri para o mundo.

É belo dar quando solicitado; é mais belo, porém, dar sem ser solicitado, por haver apenas compreendido;

E para os generosos, procurar quem recebe é uma alegria maior ainda que a de dar.

E existe alguma coisa que possais guardar?

Tudo o que possuís será um dia dado.

Dai agora, portanto, para que a época da dádiva seja vossa e não de vossos herdeiros.

Dizeis muitas vezes: “Eu daria, mas somente a quem merece”.

As árvores de vossos pomares não falam assim, nem os rebanhos de vossos pastos.

Dão para continuar a viver, pois reter é perecer.

Certamente, quem é digno de receber seus dias e suas noites é digno de receber de vós tudo o mais.

E quem mereceu beber do oceano da vida, merece encher sua taça em vosso pequeno córrego.

E que mérito maior haverá do que aquele que reside na coragem e na confiança, mais ainda, na caridade de receber?

E quem sois vós para que os homens devam expor o seu íntimo e desnudar seu orgulho a fim de que possais ver seu mérito despido e seu amor-próprio rebaixado?

Procurai ver, primeiro, se mereceis ser doadores e instrumentos do dom.

Pois, na verdade, é a vida que dá à vida, enquanto vós, que vos julgais doadores, são meras testemunhas.

E vós que recebeis – e vós todos recebeis – não assumais encargo de gratidão a fim de não pordes um jugo sobre vós e vossos benfeitores.

Antes, erguei-vos, junto com eles, sobre asas feitas de suas dádivas;

Pois se ficardes demasiadamente preocupados com vossas dívidas, estareis duvidando da generosidade daquele que tem a terra liberal por mãe e Deus por pai.”



(Excertos de “O Profeta)

O Poeta


Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso. Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.

Sou um estrangeiro para minha alma. Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz. Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outro Eu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma. Mas permaneço desconhecido e oculto, velado pelo nevoeiro, envolto no silêncio.

Sou um estrangeiro para o meu corpo. Todas as vezes que me olho num espelho, vejo no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.

Quando caminho nas ruas da cidade, os meninos me seguem gritando: “Eis o cego, demos-lhe um cajado que o ajude.” Fujo deles. Mas encontro outro grupo de moças que me seguram pelas abas da roupa, dizendo: “É surdo como a pedra. Enchamos seus ouvidos com canções de amor e desejo.” Deixo-as correndo. Depois, encontro um grupo de homens que me cercam, dizendo: “É mudo como um túmulo, vamos endireitar-lhe a língua.” Fujo deles com medo. E encontro um grupo de anciãos que apontam para mim com dedos trêmulos, dizendo: “É um louco que perdeu a razão ao freqüentar as fadas e os feiticeiros.”

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minha terra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim.

Acordo pela manhã, e acho-me prisioneiro num antro escuro, freqüentado por cobras e insetos. Se sair à luz, a sombra de meu corpo me segue, e as sombras de minha alma me precedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo. E quando chega a noite, volto para a casa e deito-me numa cama feita de plumas de avestruz e de espinhos dos campos.

Idéias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos. E almas de nações esquecidas me fitam. Interrogo-as, recebendo por toda resposta um sorriso. Quando procuro segura-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma de minha alma...

Caminho na selva inabitada e vejo os rios correrem e subirem do fundo dos vales ao cume das montanhas. E vejo as árvores desnudas se cobrirem de folhas num só minuto. Depois, suas ramas caem no chão e se transformam em cobras pintalgadas.

E as aves do céu voam, pousam, cantam, gorgeiam e depois param, abrem as asas e viram mulheres nuas, de cabelos soltos e pescoços esticados. E olham para mim com paixão e sorriem com sensualidade. E estendem suas mãos brancas e perfumadas. Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irônicos.

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um poeta que põe em prosa o que a vida põe em versos, e em versos o que a vida põe em prosa. Por isto, permanecerei um estrangeiro até que a morte me rapte e me leve para minha pátria.

(Extraído de “Temporais”)

Compilado por Lázaro Curvêlo Chaves, 20 de julho de 2004