De poetas para poetas Homenagem de Carlos Drummond de Andrade a Federico García Lorca Sobre teu corpo, que há dez anos se vem transfundindo em cravos se rubra cor espanhola, aqui estou para depositar vergonha e lágrimas. Vergonha de há tanto tempo viveres – se morte é vida – sob chão onde esporas tinem e calcam a mais fina grama e o pensamento mais fino de amor, de justiça e paz. Lágrimas de noturno orvalho, não de mágoa desiludida, lágrimas que tão-só destilam desejo e ânsia e certeza de que o dia amanhecerá. (Amanhecerá) Esse claro dia espanhol, composto na treva de hoje, sobre teu túmulo há de abrir-se, mostrando gloriosamente -ao canto multiplicado de guitarra, gitano e galo – que para sempre viverão os poetas matirizados. (Carlos Drummond de Andrade; poesia e prosa Nova Aguilar -1979 - pp. 253-4) Homenagem de Murilo Mendes a Bertolt Brecht Quem levantou no espaço as Pirâmides, quem construiu vermelha Tebas de cem portas? Certamente, não os reis: estes não carrega-vam pedras. Quem sabe os nomes dos mestres-de-obra, dos engenheiros, dos pedreiros que ergueram o Coliseu, os jardins suspensos de Babilônia, Nova Iorque? Quanto ganhavam por dia os operários dessas moles espantosas? E quantos eram ao todo? Nenhuma lente os descobre, nenhuma téssera ou lápide os registra. Ä Ele quis levantar no teatro o epos do nosso tempo totalitário. Alguns se perguntam: ficará seu nome? Ä Destruir o muro de Berlim, sigla de mil outros muros. Destruir o muro de Belim, levantando com o tributo de palavras, crimes e atos absurdos de todos nós. Construir o espaço sem muralhas nem faraós e césares de camisa preta ou parda. Com siglas de bandeiras decorativas marcando a terra de um e de todos, a terra da paz, do grão e do vinho reconstituídos no seu contexto livre de censuras. (Murilo Mendes; poesia completa e prosa Nova Aguilar - 1994 - p. 1.240) Homenagem de Murilo Mendes a René Char René Char na sua casa parisiense da Rue de Chanaleilles onde Ale-xis de Tocqueville mostra-me desenhos e quadro de Braque, Giacometti, Brauner e Nicolas de Staël. Desenrola o diploma de louvor ao Capitaine Alexandre (seu nome de guerra) herói da descida em pára-quedas na áfrica do Norte, durante a Segunda Guerra Mundial, após dois anos de maquis; diploma ilustrado nas margens por Miro, mais tarde. Tira da gaveta outro documento, uma carta assinada por vinte se seus antigos comandados: “Capitaine Alexandr, vous avez fait de nous des hommes”. Assim tornados à época de Fureur et mystère que contém um dos textos capitais da poesia francesa contemporânea: “Les Feuillets d'Hypnos”. Quando a Resistência era o fulcro da vida de muitos. Quando poesia e ação direta andavam de mãos dadas. Quando o nome liberdade era feérico. Quando se punha em marcha a inteligência “sans le secours des cartes d'état-major”. Ä Este homem que inventou o sol das águas não descobriu ainda o sol da sombra. Detesta, por exemplo, Michaux. Solar, solerte, soletra o sol de Heráclito. Apesar dos tangentes Mozart, Braque, Van Eyck, Georges de La Tour, Beaujolais, às vezes parece-me terrivelmente distante de mim. Mas não se- rei distante de mim próprio? Ä A neve cai sobre o solar de René Char desde que retalharam o solar de Névons em L'Isle-sur-Sorgue onde ele nasceu provençal onde aprendeu o sol onde aprendeu o sal onde o prendeu o sal. Em Névons on jouait dès nouveau-nés on aimait on névonnait le soleil y neigeait. A neve cai sobre o carro-de-apolo de René Char que joga pólo com Artine no ar de René char nascido para o ar para amar para armar para desamar para desarmar para poetar para putear para libertar para Mozart para terrevoar para o mar para o sol para o ar. (Murilo Mendes; poesia completa e prosa Nova Aguilar - 1994 - pp. 1.240-1) Reencontrei esses textos nos meus baus de leitura...resolvi postar aqui no Rio das letras para deleite de todos... |
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